segunda-feira, janeiro 18, 2016

Como Ser Romântico: Guia Prático (para homens!)


Afinal o que espera uma mulher de um homem a nível de romance?

É o romance assim tão importante para uma relação amorosa e de casal?

Ser romântico será algo assim tão difícil para um homem ?

Para um homem o romantismo da companheira poderá não ser aquilo que mais o “aquece ou arrefece”, mas para a maioria das mulheres o romance é fundamental! Ou pelo menos alguma forma de romantismo.

Na história da nossa espécie o papel de conquistador tende a ser atribuído ao homem, e o papel da entrega, à mulher que ele almeja e deseja. Assim, enquanto um homem procura e se satisfaz mais com a entrega da sua amada a si e aos seus esforços de conquista, é natural por sua vez que uma mulher se sinta atraída ou gradualmente atraída por uma atitude mais arrojada e conquistadora por parte de um homem, desde que se trate de uma atitude respeitosa e adequada. A esta esforço de conquista subjaz toda uma valorização de uma mulher, poder sentir-se desejada, alvo do desejo e do interesse de um ou daquele homem especificamente. E aqui entra o romantismo.

Ser romântico é conquistar e/ou reconquistar sistematicamente a mulher amada, conforme o caso. É reencenar continuamente na relação aquele momento de conquista e entrega, é “manter a chama acesa”, é dar um colorido específico à relação amorosa e de casal, é expandi-la e mesmo dotá-la de uma identidade única e privada, da qual ambos são cúmplices. Assim, o romance aprofunda mesmo a cumplicidade do casal.

O romance é um jogo (alusão a algo divertido!) específico entre alguém que procura conquistar e alguém que se vai deixando conquistar. É a encenação peculiar e própria daquele casal ou díade específicos que alberga duas individualidades bem distintas que encenam papéis complementares, ele enquanto conquistador e a ela enquanto alguém que se deixa (ou não) conquistar, contando ainda com todas as nuances que daqui possam advir! É claro, também, que os papéis se podem inverter, porém o romantismo de mulher para homem é um assunto diferente. Muitos homens ainda que possam ser bastante românticos, poderão não ser particularmente sensíveis a estas iniciativas, e é aqui que o papel da sensualidade e sedução, por exemplo, acaba muitas vezes por contornar o problema. Romantismo, sensualidade e sedução não são incompatíveis entre si, todavia para fins práticos ligados ao intuito deste artigo, é útil neste momento “separar as águas”.

Ser romântico é surpreender e deslumbrar a nossa companheira com atitudes e gestos únicos, invulgares, carregados de desejo de impactar muito positivamente sobre o coração dela. É como que a procura de criar memórias únicas e irrepetíveis na companheira,  que por tal se mantêm gravadas no coração dela para sempre.

Podendo este objetivo ser ou não atingido ou atingível, o importante é que ele se possa manter enquanto ideal orientador. Assim, eventualmente, conseguem-se reproduzir momentos e experiências únicas e deliciosas entre duas pessoas, que detêm todo potencial de perdurar para toda a vida. Isto é muito importante (!), já que no final da vida estas memórias pesam bastante na avaliação da qualidade da vida que levámos. A maioria de nós têm a experiência ou memória de ouvir os nossos avós quando nos contavam as histórias das suas vidas. No final são precisamente estas histórias que perduram no nosso coração.

Então afinal, como ser romântico?

Bem, caberá a cada qual criar e inovar o seu próprio conceito de romantismo, na mesma linha que cada qual deverá ter a sua personalidade e individualidade bem definidas e diferenciadas.

Existem ideias-cliché de romantismo que, na minha ótica, devem ser usadas apenas enquanto pontos de partida e alicerces para “aventuras” mais elaboradas, inovadoras e/ou personalizadas.


Todavia, há sim atitudes, estados “psico-emocionais” e recursos internos que são de alguma forma transversais à atitude ou ao ato romântico. São eles os seguintes:

PLAYFULLNESS OU PRAZER EM BRINCAR”

A maioria de nós tem um hobbie ou atividade que nos dá realmente prazer e alegria, uma alegria próxima daquilo que seria voltarmos a ser crianças. Alguns de nós mais afortunados acabam mesmo por ter o privilégio de sentir esse prazer ligado à própria atividade profissional. Gostar do que fazemos é, regra geral, vital para uma vida de qualidade. Enquanto crianças brincamos às profissões, e trabalhamos também a brincar. Quanto mais esse entusiasmo persistir na vida adulta e nas tarefas da adultícia, melhor.

No amor e no romance, o mesmo se aplica. Ao sermos românticos, estamos fundamentalmente a brincar! È somente com alegria no coração que se pode ser romântico, porque sem alegria, como é que se consegue tocar verdadeiramente no coração da outra pessoa? Como é que se consegue gerar aquele entusiasmo que contagia a outra pessoa e a envolve na “trama” romântica?

Há uma diferença entre, por um lado, podermos cuidar da outra pessoa quando necessário, respeita-la, sermos atenciosos com ela, e, por outro lado, sermos verdadeiramente românticos. No primeiro cenário encontram-se as bases da relação estável. No segundo cenário, o romantismo é um motor de desenvolvimento, aprofundamento, melhoria e/ou manutenção do nível de qualidade dessa relação, que idealmente se quer já estável à priori.

É também a partir dessa alegria, dessa atitude de playfullness, de que se alimentam muitas vezes os grandes esforços românticos, precisamente porque nos movemos a partir da antecipação do prazer que iremos gerar na outra pessoa, no qual iremos também participar (e já estamos a participar, logo desde o momento em que nasce a ideia) e do qual iremos também desfrutar juntamente com essa pessoa.

AUTOESTÍMA

Falamos aqui mais de uma autoestima secundaria, isto é, mais ligada ao autoconceito de um homem enquanto tal, e não tanto enquanto pessoa, ainda que de alguma forma eles se interliguem em alguns pontos.

Ao longo da vida vamos procurando agradar aqueles que amamos, sejam os nossos pais, os nossos irmãos, os nossos amigos, os nossos companheiros e companheiras, etc.. À medida que vamos observando o resultado dos nossos esforços e respetiva validação dos mesmos ao longo da vida, cristaliza-se em nós um sentimento de sermos eficazes em agradar e satisfazer os demais. Na relação amorosa, esta forma de autoestima ou autoconfiança será o sentimento internalizado de se ser eficaz em agradar, surpreender e satisfazer a companheira, enquanto homem.

Esta autoconfiança é também de onde emerge a atitude de playfullness. Trata-se de confiança, e também de um sentido de entusiasmo, ligados ao sentimento de eficácia (prazer narcísico saudável), neste caso ao serviço do enriquecimento da vida amorosa (do prazer na relação com o outro).

Na medida em que a outra pessoa é satisfeita pela atitude e ato romântico, também essa satisfação recai simultaneamente sobre a própria autoestima do homem e sobre o prazer que ele retira naquela íntimidade com a sua companheira.

ESFORÇO CRIATÍVO

Se há “prazer em brincar” e um sentimento edificado e estável de se ser eficaz em agradar, surpreender e satisfazer a outra pessoa, então a criatividade têm portas abertas para poder surgir. O prazer em criar novos cenários e situações, em diversificar, em surpreender, em viver mais e mais, alimenta o próprio esforço criativo.

A atitude romântica também se desenvolver e pode amadurecer. Um homem que conte com uma companheira paciente, não particularmente exigente (crítica) no que respeita ao amor e solicitações de afeto e romantismo, contará com melhores condições para que o seu romantismo se possa ir desenvolvendo prazerosamente e a um ritmo também prazeroso. Exigências, críticas e solicitações excessivas de afeto ou romantismo tendem a gerar resultados opostos, de inibição destas atitudes, pois tanto o amor como o romance apenas se podem dar a partir da vontade livre, e não pelas condicionantes da exigência.

O sentido de humor de ambos os companheiros também ajuda bastante, pois nem sempre atitudes e atos românticos correm como esperado, verdade seja dita. Todavia, muitas vezes o sentido de humor não só salva a situação como algumas vezes torna-a ainda mais memorável. Que o atestem aqueles que sabem do que falo!

Da próxima vez que decidir viajar com a sua companheira, por exemplo, a Paris, leve dissimuladamente consigo um pequeno rádio com a valsa preferida dela. À noite, convide-a para passear junto da Pirâmide Invertida, em frente ao Museu do Louvre. Coloque o rádio no chão a tocar e convide-a para uma dança! Vai ver que valerá a pena. O sorriso e o brilho nos olhos dela dirão tudo. Fica a sugestão, para personalizar a gosto, claro!

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Teste da Realidade, Psicose e Psicopatia


Este artigo prende-se com uma reflexão clínica, psicanalítica, sobre a psicopatia, a perda do teste da realidade que habitualmente acompanha os quadros psicóticos, e pontos de interseção entre ambas as realidades clínicas.

Sobre o teste da realidade

O teste da realidade é tradicionalmente um indicador da presença de aspetos ligados ao funcionamento psicótico da personalidade. Contudo, mesmo um indivíduo com organização neurótica de personalidade (com um self coeso e bem adaptado à realidade, por exemplo) pode, sob condições de stress invulgar, resvalar, ainda que temporariamente, para um funcionamento mais do âmbito da psicose, cingido provavelmente a um contexto específico, e falhar o teste da realidade nesse contexto ou ligado a essa situação (por exemplo, situações traumáticas). Uma personalidade neurótica não está imune de conter núcleos psicóticos, e tal tende a ser muitas vezes onde se encontra a raiz do maior sofrimento e das maiores incapacidades na vida de uma pessoa.

Falamos aqui sobretudo em organização de personalidade – psicossomática, psicótica, borderline, neurótica e normal. A psicopatia está mais ligada à estrutura da personalidade (depressiva, narcísica, psicopata, etc.), ainda que se possa pensar em articulação com a organização de personalidade.

Alguns autores inclusive removem a categoria da psicose e chamam-lhe esquizofrenia borderline (ver o PDM - Psychodynamic Diagnostic Manual), referindo-se a perturbações graves do teste da realidade, por exemplo.

O teste da realidade também está relacionado com o quão compensado está ou não determinado indivíduo. Alguém que sofra de uma patologia mental relativamente grave pode não apresentar falhas no teste da realidade, desde que se encontre em estado compensado. Contudo o equilíbrio psicológico será frágil, a vulnerabilidade ao stress será maior e a propensão à descompensação e à perda do contacto com a realidade (por exemplo, a criação de uma realidade interna, fantasiada, mais tolerável e menos ameaçadora, ainda que diferente e incompatível com a realidade externa) é grande.

Quanto maior a predominância, numa dada personalidade, de uma parte psicótica, maior a probabilidade de perda do teste da realidade aquando do stress. Outras vezes essa perda do teste da realidade está ligada a situações/conflitos específicos, aos tais núcleos mais frágeis/traumatizados/psicóticos da personalidade.

Sobre a psicopatia e o teste da realidade

A maioria de nós têm traços de uma ou outra perturbação de personalidade (entidades clínicas nosologicamente definidas). Alguns autores consideram que a estrutura psicopata pertence ao âmbito da organização psicótica da personalidade.

Todavia é possível que traços psicopatas existam noutros níveis superiores de organização da personalidade, pelo que nesses casos não falaríamos de psicopatia, mas de tendências psicopatas em quadros de maior salvaguarda do teste da realidade.

Portanto, tanto pessoas com quadros psicopatas como pessoas com quadros psicóticos podem manter o teste da realidade, desde que compensadas. Ou pelo menos manter o teste da realidade na maioria das áreas do funcionamento profissional, interpessoal e das tarefas do quotidiano.

Relação entre psicose e a psicopatia

Se considerarmos o exemplo de patologia psicótica pura e da patologia psicopata pura, então provávelmente estamos a falar de problemas diferentes, ainda que se possam relacionar entre si ou sobrepor em alguns aspetos. Na psicose predominam, por exemplo, os mecanismos da clivagem do self e projeção de partes do self para fora do self, para o mundo exterior e para outros exteriores (mas também para dentro do próprio self, como são o caso dos delírios de ruína e hipocondria). Um outro marco da psicose são as transferências psicóticas (transferem-se partes do self e do mundo interno do self para outras pessoas, sem qualquer sentido de juízo crítico sobre a veracidade das imagens distorcidas dos outros criadas pelo efeito da projeção). Isto pressupões que no interior da pessoa psicótica exista algo de bom, que o aparelho psíquico tenta a todo o custo salvar no intuito da sobrevivência psicológica. Na psicose, o ódio (a agressividade destrutiva) predomina sobre a líbido (o amor), conflito fundamental que da azo aos processos psicóticos, de acordo com algumas perspetivas psicodinâmicas. Essa luta é tal forma feroz que o próprio self se pode mesmo fragmentar - medo de enloquecer - no sentido de salvar a (escassa) benevolência interna ameaçada.

Já na psicopatia (pura), que implica a deterioração grave ou ausência dessa benevolência interior de modo a garantir a sobrevivência psicológica, dá-se a total identificação com o mau (a agressividade, o ódio). Não há processos psicóticos de clivagem e projeção, pois estes apenas existem para a preservação das partes boas da personalidade. Não há transferência psicótica, mas sim transferência psicopata, anterior (mais primitiva) à transferência psicótica. A transferência psicopata prende-se com a manipulação da outra pessoa (ou pior), no sentido deliberado de prejudica-la ou levar a melhor sobre ela, com completa ausência de remorso. Há a preservação do teste da realidade – o psicopata está particularmente bem sintonizado com o funcionamento prático da realidade, interessam-lhe os fins práticos de conseguir poder, no geral ou sobre os outros, e a fuga à responsabilidade.

No psicopata não há bússola moral ou empatia, estes são aspetos marcantes da realidade das relações humanas que os psicopatas não conseguem processar. Se incluirmos estes conceitos no âmbito de “teste da realidade” (ainda que o teste da realidade se refira mais a fenómenos de delírios, alucinações, pensamento mágico, crenças bizarras e ideias de referência) então os psicopatas falham nesse teste, ainda que se mantenham particularmente astutos para a componente prática do funcionamento da realidade. Os três traços psicopatas de uma forma geral são a manipulação, a mentira e os fins egoístas, e também a incapacidade para a honestidade, a não ser que essa honestidade se ligue de alguma forma a algum destes fins ou à necessidade de manutenção de um sentido de omnipotência, de manipulação ou obtenção de poder, mas tal é pouco provável.

Por sua vez podemos considerar a convicção do psicopata de que pode fazer com que tudo aconteça, uma convicção próxima da perda do contacto com a realidade, no sentido de uma imagem omnipotente e logo, psicótica, de si mesmo, se bem que o psicopata não se fica pela convicção, mas busca ativamente o poder. Sabe-se até que a busca pelo poder é um traço de deterioração grave de personalidade e o psicopata procura-o ativamente, quer o poder sobre os outros, ou outro tipo ou forma de poder. Daí que na verdade, e muitas vezes, o poder que os psicopatas detêm é real e dá sustento a uma imagem omnipotente, toda poderosa, de si mesmos. Para um psicopata não há pior que ser diminuído ou de alguma forma ser atacado na sua convicção de omnipotência. Em contexto forense, uma das técnicas para levar um psicopata a confessar um crime é precisamente confronta-lo com descrença sobre a sua capacidade para elaborar e levar a cabo o dito crime. Muitas vezes o psicopata acaba por confessar por uma questão de orgulho, ou necessidade de proteção desse eu mais omnipotente (aqui sim, um delíro de grandiosidade, uma perda do teste da realidade relacionada com a imagem de si mesmo, algumas vezes dificil de perceber pois está misturada com poder real). Na política, por exemplo, alguém com tendências psicopatas poderá por exemplo ser sentido enquanto alguém que projeta força e confiança, no entanto esses aspetos tendem a ser acompanhados por frieza, ausência de remorso e ausência de vulnerabilidades, que suscita nas outras pessoas por vezes um sentimento de se estar na presença de alguém como que todo-poderoso. Os psicopatas são também muito frequentemente encontrados em altos cargos nas chefias de algumas empresas, como nas grandes empresas e grupos financeiros. Estes são os psicopatas passivos, menos agressivos, mas muitas vezes muito mais destrutivos.

Psicopatas mais inteligentes (mais adaptados socialmente) podem efetivamente conseguir altos cargos no poder, a todos os níveis. Neste caso não só mantêm o teste da realidade (pelos menos na área profissional, por exemplo) como podem mesmo ser bastante bem sucedidos.

Em psicoterapia um ganho terapêutico no trabalho com perturbações psicopatas acontece por exemplo quando estas pessoas se tornam um pouco mais psicóticas, ou seja, quando conseguem começar a desconfiar do terapeuta – passam de uma transferência psicopata para uma transferência psicótica paranoide. Tal já denota a existência de algo de bom dentro da pessoa, que para ser preservado, leva com que a pessoa expulse (projete) as partes más. 

Mais grave que a psicopatia é ainda a perturbação sádica da personalidade, onde a experiência subjetiva da pessoa é a de morte interna e subsequente necessidade de dominar, controlar absolutamente, atormentar e destruir os outros. Não existem até à data psicoterapias de sucesso com pacientes com perturbações sádicas de personalidade. Todas as psicoterapias conduzidas a estes pacientes são conduzidas já em contexto prisional.

Em suma, a psicopatia ou aspetos da psicologia psicopata podem ser pensados como patologia isolada e em estado puro (raramente assim surge em consultório), como podem surgir, em maior ou menor grau, misturados com sintomatologia psicótica, borderline ou até com níveis de funcionameto mental mais evoluídos. 



segunda-feira, janeiro 04, 2016

Experiências Adversas na Infância: Alterações cerebrais críticas ao longo da vida


Em continuidade com o artigo anterior enunciamos algumas das mais importantes alterações cerebrais ligadas às experiências adversas de infância (EAI), das quais resultam quase sempre o trauma, a psicopatologia e as perturbações de personalidade, mas mais concretamente, a dificuldade crónica em lidar com o presente e com o futuro ao longo da vida.


1. Alterações Epigenéticas

Quando somos sistematicamente empurrados para situações indutoras de stress durante a infância ou a adolescência, a nossa resposta fisiológica ao stress muda para um estado exacerbado, e perdemos a capacidade de responder apropriadamente e eficazmente a futuros stressores – 10, 20, e até 30 anos depois. Isto acontece devido a um processo conhecido como metilação de genes, no qual pequenos marcadores químicos, ou grupos de metilo, aderem aos genes envolvidos na regulação da resposta ao stress, e previnem esses genes de desempenharem as suas funções. À medida que a função destes genes é alterada, a resposta ao stress torna-se reconfigurada para “alta” para a vida, promovendo inflamação e doença.
Isto pode tornar-nos mais propensos a reagir exageradamente aos stressores da vida diária que encontramos na vida adulta – uma conta inesperada para pagar, um desacato com o companheiro, ou um carro que se coloca à nossa frente na auto-estrada, gerando mais inflamação. Isto, por sua vez, predispõe-nos a um corpo de doenças crónicas, incluindo as doenças auto-imunes, doença cardíaca, cancro e depressão.

Os investigadores de Yale descobriram recentemente que as crianças que sofreram stress crónico e tóxico demonstravam alterações “ao longo de todo o genoma”, em genes não apenas responsáveis pela regulação da resposta ao stress, mas também em genes implicados num vasto leque de doenças do adulto. Esta nova pesquisa sobre trauma emocional precoce, alterações epigenéticas, e doenças físicas do adulto quebra demarcações duradouras entre aquilo que a comunidade médica tem sempre considerado ser a doenças “física” em contraposição com aquilo que é “mental” ou “emocional”.

2. Tamanho e Forma do Cérebro

Os cientistas descobriam que quando o cérebro em desenvolvimento é cronicamente sujeito a stress, liberta uma hormona que na verdade reduz o tamanho do hipocampo, uma área do cérebro responsável pelo processamento da emoção, da memória e da gestão do stress. Estudos recentes a partir de técnicas de ressonância magnética sugerem que quanto mais alto o indicador de experiências adversas de infância (EAI), menor a quantidade de matéria cinzenta ele ou ela apresentam noutras áreas-chave do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal, uma área relacionada com a capacidade de tomada de decisão e capacidades de auto-regulação, e a amígdala, ou centro de processamento do medo. As crianças cujos cérebros foram alterado pelas EAIs são mais propensas a tornarem-se adultos que reagem excessivamente a stresses menores.

3. Poda Neural

As crianças têm uma sobreabundância de neurónios e ligações sinápticas; os seus cérebros estão fortemente a trabalhar, a procurar fazer sentido do mundo à volta delas. Até à bem pouco, os cientistas acreditavam que a perda de neurónios em excesso e ligações resultava somente da não utilização dos mesmos, mas um novo advento surgiu, relacionado com o desenvolvimento do cérebro: as células não-neuronais do cérebro, conhecidas como microgliócitos, que constituem um décimo de todas as células do cérebro, e são de facto parte do sistema imunitário – participam no processo de poda neural. Estas células também engolfam e digerem celular inteiras e detritos celulares, desempenhando portanto um papel fundamental de “limpeza da casa”.

Todavia, quando uma criança enfrenta stress crónico inesperado, ou EAIs, os microgliócitos podem passar a funcionar mal e expelir neuroquímicos que resultam em neuroinflamações. Esta neuroinflamação crónica que passa facilmente despercebida pode conduzir a alterações que reconfiguram o tom do cérebro para toda a vida.

Isto significa que as crianças que chegam à adolescência com um historial de adversidade e lhes falta a presença de um adulto consistente e cuidador que os ajude na adversidade, podem tornar-se mais propensos a desenvolver perturbações do humor ou sofrerem comprometimentos nas capacidades de funcionamento executivo e de decisão.

4. Telomeres

O trauma precoce pode dar aparência mais “velha” a uma criança, em termos emocionais, relativamente aos seus colegas da mesma idade. Neste momento, cientistas da Universidade de Duke; Universidade da Califórnia em São Francisco; e da Universidade de Brown descobriram que as EAIs podem envelhecer prematuramente as crianças igualmente a um nível celular. Adultos que enfrentaram traumas precoces demonstram uma maior erosão naquilo que se chamam os telomeres – os invólucros protetores que se encontram no final das cadeias de ADN, como os invólucros dos atacadores de sapatos, para manter o genoma saudável e intacto. À medida que os nossos telomeres se desgastam, ficamos mais propensos a desenvolver doenças, e as nossas células envelhecem mais rapidamente.

5. Rede neural em modo padrão (Default Mode Network)

Dentro de cada um dos nossos cérebros, uma rede de neurocircuitos, conhecida como o “rede neural em modo padrão”, ressoa silenciosamente, como um carro parado em frente a um semáforo. Une áreas do cérebro associadas com a memória e integração do pensamento, e está sempre em standby, preparada para nos ajudar a perceber o que fazer em seguida. “A conectividade densa nestas áreas do cérebro ajudam-nos a determinar aquilo que é e não é relevante, para que possamos estar preparados para o que quer que o nosso ambiente nos solicite”, explica a neurocientista Ruth Lanius.

Quando as crianças enfrentam adversidade precocemente e são rotineiramente impulsionadas a um estado de luta ou fuga, a rede neural em modo padrão começa a desligar; não ajuda mais a criança a perceber o que é relevante, ou o que precisam fazer em seguida. De acordo com Lanius, as crianças que enfrentaram traumas precoces apresentam menor condutividade na rede neural em modo padrão – mesmo décadas após a ocorrência do trauma. Os seus cérebros aparentam não entrar na posição saudável de prontidão – e por tal, elas podem ter problemas em reagir adequadamente ao mundo em redor.

6. Ligação Cérebro-Corpo

Até há bem pouco tempo, era cientificamente aceite que o cérebro estava separado do sistema imunitário do corpo. Mas parece que tal não é o caso, de acordo com um estudo revolucionário levado a cabo por investigadores da University of Virgina School of Medicine. Os investigadores descobriram que existe um caminho esquivo entre o cérebro e o sistema imunitário, via dos vasos do sistema linfático. O sistema linfático, que incorpora o sistema circulatório, transporta “a linfa” – um liquido que ajuda a eliminar toxinas, e move células imunitárias de um local do corpo para outro. Agora sabemos que o percurso do sistema imunitário inclui o cérebro.

Os resultados deste estudo têm profundas implicações para a pesquisa das EAI. Para uma criança que viveu adversidade, a relação entre o sofrimento mental e físico é forte: os químicos inflamatórios que inundam o corpo da criança quando ela é cronicamente exposta a stress não estão confinados somente ao corpo.

7. Conectividade Cerebral

Ryan Herringa, um neuropsiquiatra e professor assistente de psiquiatria da infância e adolescência, descobriu que as crianças e os adolescentes que vivenciaram adversidade crónica na infância demonstravam ligações neuronais mais fracas entre o córtex pré-frontal e o hipocampo. As raparigas demonstravam também ligações mais fracas entre o córtex pré-frontal e a amígdala. A relação córtex pré-frontal – amígdala desempenha um papel essencial em determinar o quão emocionalmente reativos tenderemos a ser face àquilo que sucede connosco no nosso dia-a-dia, e o quão provável será percebermos essas situações como ansiogénicas ou perigosas.

De acordo com Herringa:

“Se você é uma mulher que enquanto menina vivenciou EAIs, e tal enfraqueceu estas ligações cerebrais, poderá esperar vivenciar um maior nível de medo e ansiedade em quase todas as situações ansiogénicas que encontrar ao longo da vida.”

Estas ligações enfraquecidas relacionam-se com um maior risco de desenvolvimento de ansiedade e depressão durante a adolescência tardia. Isto explica, em parte, o porquê das raparigas apresentarem um risco em dobro de desenvolver perturbações de humor, quando comparadas com rapazes.

Esta ciência pode ser avassaladora, especialmente para aqueles de nós que são pais. Portanto, o que podemos fazer caso você ou um filho que ame foi afetado pela adversidade precoce? As boas notícias são que, à medida que o nosso conhecimento científico aumenta na área da afetação do desenvolvimento cerebral mediante a adversidade, também aumenta o nosso insight científico sobre como oferecer aos nossos filhos uma parentalidade resiliente, e como podemos todos tomar pequenos passos para curar o corpo e a mente. Tal como as feridas e as nódoas negras se curam, tal como podemos reabilitar a tonalidade muscular, também podemos recuperar a função em áreas do cérebro sub-conectadas. O cérebro e o corpo nunca são estáticos; eles encontram-se permanentemente num processo de tornar-se e mudar.

"Tradução livre da Psicronos"